sábado, 26 de dezembro de 2009

Espaço do Leitor

Estou postando antes da quarta-feira porque o Márcio José enviou uma ótima análise sobre Jogos Mortais que merece ser postado o quanto antes.Por isso já estou postando.


SAW - UM “QUEBRA-CABEÇA” DIFÍCIL DE MONTAR

       Saw 2004

        Nos últimos meses muito tem sido dito a respeito da, até então, lucrativa franquia: “Jogos Mortais” (Saw) e muitos de seus críticos não tem poupado palavras a respeito dos “pontos negativos” que acreditam estar presentes em níveis cada vez mais alarmantes, mencionam valores arrecadados com a bilheteria de cada filme e comparam estes valores, observando que, se a quantia arrecadada diminui gradualmente, seria um “sinal” de que esta estaria “caminhando em direção ao abismo”, tal alegação pode ter algum fundamento quando se pensa na indústria cinematográfica como um negócio, mas não estamos abordando questões de natureza contábil, nem debatendo se determinada franquia seria viável para os futuros investimentos da empresa, depois, sabemos que pessoas decidem ver um filme no cinema por motivações diversas: muitos assistiram “Jogos Mortais” por ser uma novidade (um novo filme em cartaz), outros foram ao cinema devido a “moda” que se desencadeou após a estréia do “primeiro filme” (alguém se recorda do longa: The Matrix?), cujos efeitos do consumismo compulsivo conhecemos muito bem, já outros, foram ao cinema por pensar que se tratava de uma “carnificina desenfreada”, tal como os “vampiros” de outrora, desejosos por saciar “seu voraz apetite pelo sangue de terceiros”, existem também os desavisados, que assistiram ao filme sem ter uma noção exata do que se tratava e após seu término, nunca mais voltaram... ao cinema! Tudo isso influencia na soma dos números finais e não demonstra se a obra foi bem sucedida no âmbito artístico, apenas nos diz se “um determinado produto” vendeu bem ou não...

      Muitos comentam sobre diversas questões técnicas da produção, falam da iluminação, falam da movimentação da câmera, ou simplesmente, demonstram sua indignação pelo fato do filme não ter sido “aquilo que esperavam”, criticam o desempenho dos atores porque determinados personagens não lhes parecem “simpáticos” ou reclamam porque “o mocinho morreu” e assim por diante, tais critérios utilizados na avaliação dos filmes parecem se fundamentar no subjetivismo daquele que o comenta, de modo que já não se estaria mais falando do filme propriamente dito, mas somente o que determinado crítico pensa a respeito daquilo que assistiu, afinal, dizer que: “um filme é ruim”, não é o mesmo que dizer que: “certo critico considerou o filme ruim”, há também quem se manifeste de forma negativa a respeito de “elementos” que são “marcas registradas” da própria franquia sob a alegação de que os filmes estariam se tornando “previsíveis”, ora, assistir “Jogos Mortais” e não querer ver “pessoas sendo mutiladas em ‘jogos’ doentios” seria o mesmo que esperar que não hajam “premonições” em “Premonição” (Final Destination), o curioso é que aparente “repúdio” tem se manifesto em meio aqueles que se identificam como sendo fãs da franquia, embora seja natural que haja certa excitação a respeito de um “novo filme” e que uma pesquisa seja feita pelos produtores que desejam “agradar” seu “público alvo”, há um limite que não se pode transpassar, caso contrário, os fãs começam a ditar como o filme deve ser e quando se percebe, já não estaríamos “pagando” pelo entretenimento, mas apenas para sermos “agradados”, e nesta expectativa de retorno (de ambos os lados) é que muitos filmes acabam não sendo tão “produtivos” como poderiam ter sido se não houvesse tamanha “tensão”, isso me recorda de um comentário que vi nos “extras” de: “O Massacre da Serra Elétrica 3” (Leatherface: Texas Chainsaw Massacre III) e sugiro que se assista, pois o filme foi considerado um fracasso de bilheteria e o pior filme da franquia, é um caso que ilustra muito bem como a “influência” dos “dois lados” pode “arruinar” um filme, nele é mencionado a quantidade absurda de cortes que o filme sofreu para que pudesse ser “comercializado” e a surpresa do (criticado) Diretor: Jeff Burr, ao ver inserido no final do filme um personagem que, segundo o roteiro, havia sido morto, mas foi “ressuscitado” para “agradar” aos fãs, nas palavras do próprio Jeff: “Fizemos uma exibição-teste em Nova York e o público gostou de Ken Foree. Não me pediram para regravar. De repente, um cara que estava morto, revive. Ele nem fala que foi só um machucado, ou aparece com um curativo na testa... depois de ter a cabeça serrada”.

      Isso é algo que não se pode esquecer, que o filme não é nosso, tal como uma canção pertence a seu compositor e com ela podemos nos identificar ou não, acompanhamos uma estória que não foi escrita por nós, de maneira que o filme deveria ser avaliado, também, segundo aquilo que este representa dentro do contexto geral da trama que está sendo apresentada, como sabemos, esta trama não é contada de um modo convencional e não seria prudente desenvolver uma resenha como se “determinada parte” estivesse isolada das demais, já que “cada filme” consiste no fragmento de uma só estória que está sendo contada ao público, assim, se determinado “crítico” pensa em “Jogos Mortais” como sendo apenas “mais um filme da franquia”, dificilmente será cativado, já que seu raciocínio fica restrito a este referencial e muitas vezes sua avaliação se detém nos aspectos estéticos da produção, por outro lado, se tal “crítico” se concentra na narrativa, independente do formato em que esta nos chega, a experiência se torna mais gratificante e tal estória pode ser avaliada sob outra perspectiva, esquecendo por um momento que se trata de um filme, pois “Jogos Mortais” continuaria sendo “um conto” caso nos fosse concebido no “formato” de um desenho, livro ou quadrinhos (como pudemos observar com a publicação de: “Saw - Rebirth”).

      Rotular a franquia e descrevê-la como sendo um “caça-níqueis”, ou como apenas mais um “produto da indústria”, é ignorar qualquer resquício de manifestação artística que esta possua, o que por sua vez, é um grande desrespeito para com o esforço e dedicação dos envolvidos, em especial, os responsáveis pelo roteiro e principalmente, os atores, que se empenham para dar “vida” aos personagens...

      De maneira geral, “Jogos Mortais” tem sido considerado um filme de terror (outros, vão mais longe em suas alegações e chegam a defini-lo como sendo um filme: “Toture Porn”), afinal, é um filme que perturba pela agonia dos personagens que são submetidos aos tais “jogos”, que nos apresenta cenas explícitas que retratam pessoas sendo mortas, mutiladas... Mas não estou tão certo de que a franquia deva ser classificada neste gênero, na verdade, penso nela mais como um “filme policial”, embora um tanto sádico e sombrio (na linha das publicações do selo: Vertigo), contos de terror geralmente apresentam um “assassino psicopata que mata sem hesitar motivado pela vingança” ou seguem a linha do “oculto”, do “obscuro e diabólico”, do “medo”, do “terror” como tal, trazem “relatos míticos” sobre o “além” numa “perspectiva fantasmagórica e tenebrosa”, apresentando a “morte” como algo diretamente relacionado ao “mal” e as “trevas”, “pintando” uma “realidade alternativa aliada ao demoníaco”, embora eu creia na existência de demônios, me parece que tais estórias exageram um bocado quando abordam essas questões. No caso de “Jogos Mortais”, temos uma outra abordagem, embora “os filmes” tragam excessos que são próprios de uma obra cinematográfica evidenciando com isso que se trata de fantasia e pura ficção, este mexe com o “imaginário popular” por sua proximidade com a vida real e são estes “elementos de realidade” que causam horror, como também, certo fascínio (ao contrário do grotesco: “Seed”, que particularmente considero um filme de muito mau gosto), já que parte da pressuposta possibilidade de que algo semelhante possa realmente ocorrer na realidade. O “Jogos Mortais” original surpreendeu diversas pessoas por se tratar de um filme dramático e ao mesmo tempo dinâmico, o “terror” de que tanto se falava e nos “consumia” paulatinamente não era algo que se originava nas cenas de brutalidade que evidentemente eram apresentadas, James Wan e Leigh Whannell conseguiram ir além desta mera sensação de mal-estar causada por filmes de terror, não foram poucas as pessoas que realmente temeram pela “vida” dos personagens, que se sentiam inconformadas com a aparente covardia de Zep, ou sentiram “agonia” por imaginar como seria fazer tamanho sacrifício para sobreviver a um determinado “jogo”, acompanhamos cada momento de tensão que se desencadeava, presumindo que se tratava de mais um “serial killer", uma pessoa perturbada e má que resolveu torturar aqueles que considerava um pecador, porém, após momentos de perplexidade próprios de um “desenrolar da trama”, eis que chega o momento do “grande clímax”, Adam encontra um pequeno gravador que é acionado, o público pasmo “brada a plenos pulmões”: “O desgraçado também era uma vítima!”, tamanho desconcerto é imediatamente seguido de um “mórbido silêncio”, nossa caixa torácica “está prestes a explodir” com a potência dos alto falantes que estremecem ao som de Charlie Clouser, “todo filme” passa diante de nossos olhos em questão de segundos, aquela enigmática figura que “todos” desprezavam se levanta lentamente, nada mais pode ser dito, tudo que passa em nossas mentes nesse momento é: “Most people are so ungrateful to be alive. But not you. Not anymore…”, e quando o público finalmente parece conseguir se recompor… “Game Over!”

      Em pouco tempo perguntas surgem por todo lugar: “Quem é John?”, “Por que aquele cara faz essas coisas?”, “Adam ficou trancado lá até morrer?”, “Lawrence Gordon morreu?”, “E agora, Jigsaw vai atacar novamente?”, “Será que vai ter outro filme?”.

      O “jogo” apenas começava…

      Um ano depois, chega aos cinemas: “Jogos Mortais II” (Saw II), daí por diante descobrimos que “Jigsaw” é na verdade: John Kramer, diferente de tantos “assassinos em série” que nos são apresentados, este não parece ter tido uma infância traumática (como o caso de: Michael Myers, demonstrado no recente filme: Halloween - O Início / Halloween, filme que na realidade, é um “remake” da versão original, lançada em 1978), nem se trata de um louco esquizofrênico cuja única motivação de sua vida é matar, sua personalidade é a de um homem sadio, é casado, um bem sucedido engenheiro civil, íntegro, culto, inteligente, mas que apesar de suas qualidades e de seu sucesso profissional, não apresenta nenhuma característica que o diferencie de outras pessoas, sua mulher, Jill Tuck, costumava empregar todas as suas “energias” na clínica que administrava, procurando ajudar pessoas com problemas de dependência química e outras dificuldades, como seu empenho era tamanho, contava também com a colaboração de John, que apoiava seu trabalho e a orientava no que podia, mesmo estando um tanto cético quanto a possibilidade de recuperação de algumas pessoas que lá estavam, pois percebia que muitos dos que recorriam a sua ajuda não davam indícios de que realmente empregariam a “força” necessária para que houvesse alguma mudança significativa e posteriormente alcançassem a cura, além disso, John notou que haviam certas “irregularidades” ocorrendo “na clínica”, mas hesitou, preferindo permanecer omisso quanto ao que estava testemunhando, passado certo tempo, Jill finalmente espera um filho e os anseios de John estão prestes a se concretizar, o casal está eufórico a espera de seu primeiro filho, a quem decidem dar o nome de: Gideon. Certa noite, quando Jill se preparava para fechar a clínica, acaba sendo abordada por Cecil, um de seus assistidos, que numa crise de abstinência a intimida para conseguir ter acesso as “drogas” de que fazia uso, ansioso por se retirar do local, age com imprudência e acaba ferindo Jill gravemente, durante a fuga é reconhecido por John, que estava a espera de sua esposa e logo se dá conta de que algo muito sério acaba de ocorrer, ele logo se apressa para socorrê-la e ambos chegam ao hospital, mas infelizmente, nada pode ser feito para salvar a criança que tanto aguardavam, nesse instante o “mundo” de John começa a “ruir”, pois estava ciente de que Jill estaria correndo perigo enquanto trabalhasse na clínica, então, começa a pensar naquelas pessoas cuja recuperação tanto apoiaram, num misto de rancor, culpa e revolta. Seria esse o modo como tais pessoas estariam retribuindo? Seriam ingratas? Ele então entra num processo “auto-destrutivo”. De que lhe adiantava agora tanto planejamento na “construção” de um belo futuro? O tempo por ele investido nada mais significava, o pequeno Gideon já não mais alegraria sua vida, não haveria como mudar o que ocorreu. De que lhe valeria o tempo estando impossibilitado de intervir no passado? A confusão que se instala em seu interior o leva a afastar-se de Jill, tudo lhe recorda do “sonho” que jamais será concretizado, encontra-se “mergulhado” na depressão e nada mais parece ter sentido, dias depois, decide fazer um check-up de rotina, cujo diagnóstico não é dos mais positivos, John descobre que está com câncer e que o tempo de vida que ainda lhe resta é algo imprevisível, sem hesitar decide recorrer a um tratamento alternativo que poderia ao menos prolongar sua expectativa de vida, mas suas esperanças de alcançar uma improvável cura são negligenciadas pela seguradora que poderia tê-lo apoiado... O que lhe restava agora? Consciente de que se estivesse ao lado de Jill, se tornaria um possível fardo para ela, pois sua saúde se agravaria progressivamente até o momento de sua "despedida" e de que seria um grande sofrimento para ambos, opta então pelo suicídio, talvez no intuito de antecipar a chegada do iminente destino, dirigindo em alta velocidade segue em direção a um abismo, em seguida seu carro mergulha "no vazio", chocando-se violentamente contra o solo, de maneira que as ferragens do próprio veículo perfuram seu corpo, mas por algum motivo, ele sobrevive...

      É o início de um futuro legado a ser deixado...

      Intrigado com o fato de ter sobrevivido, John decide aprofundar o conhecimento que tem a respeito de sua própria humanidade, procura saber como seu corpo pode suportar tal estrago, ferimentos que noutras circunstâncias poderiam ter sido fatais, pensa em tudo aquilo que o levou a optar pelo suicídio, questiona-se sobre o mundo que o cerca, sobre o modo como as pessoas que de alguma maneira fazem parte de seu passado permanecem “cegas” para tudo aquilo que realmente importa na vida, tal como ele um dia também esteve “cego”, porém, algo de errado ocorre, seu raciocínio não o conduz para aquilo que possui de melhor, não faz dele um exemplo de luta ou superação, pelo contrário, ele se perde no “meio do caminho”, como se diz popularmente: “John se torna uma vítima de si mesmo”, iniciando um contínuo processo de “auto-declínio”, ele não supera “seus fantasmas”, tão pouco sabe como pedir ajuda, o câncer faz dele um “sentenciado a morte”, alguém que caminha “em direção da própria execução”, o tempo que para ele tanto significava, torna-se agora, “seu corredor da morte”. Não sabemos exatamente porquê, mas em vez de John começar a enxergar aquilo que há de mais belo naqueles que se encontram desorientados e sem força, em vez de tentar ajudá-los (como no passado) e fazer de si mesmo um exemplo, algo como: “Vejam, eu também fui ao ‘fundo do poço’, sei como é, mas hoje percebo que com apoio e o amor dos que se importam comigo posso fazer algo de valor, fazer algo bom e que posso deixar para futuras gerações. Ninguém é desprezível, Deus se importa com todos indiscriminadamente, Ele nos ama e nos ajuda, Ele espera que façamos as escolhas corretas, Ele ensinou o ‘caminho que devemos seguir’, para nossa felicidade e para o bem de nosso próximo, Ele nos criou para sermos felizes, vivemos em sociedade para que caminhemos colaborando uns com os outros, ajudando-nos mutuamente, sabemos que as dificuldades são muitas, que variam de uma realidade para outra, mas posso ser forte onde você é fraco, como você força onde eu fraquejo, juntos podemos mudar alguma coisa, fazer de nossa realidade algo mais digno e produtivo.”  (Sim, eu, aquele que vos escreve, sou Cristão Católico, acredito nas palavras de Jesus Cristo e creio inclusive que Ele é Deus), mas não, talvez pelas desilusões que vivenciou, ele se torna convicto de que só é possível uma mudança real se esta pessoa estiver passando por uma situação em que sua vida esteja realmente em risco, ora, ele já se equivoca em confundir “anseio por mudança” com “desespero”, uma pessoa pode estar disposta a mudar, mas pode também não saber como fazer isso, neste caso, ela precisa de ajuda, mas se ela não tem noção de quão valiosa é sua vida e sua realidade só faz com que ela veja o mundo de forma pessimista, como poderia ela ter tanta vontade de viver? John fala a respeito do “instinto de sobrevivência”, mas comete o erro de não distinguir entre “vontade de viver” e “medo de morrer”, há uma sutil diferença que não parece ser levada em conta (ou talvez seja, o que explicaria de modo satisfatório como John consegue planejar tudo prevendo exatamente quem será bem sucedido nos “testes” e quem não vai), de qualquer forma, podemos observar que ele não se deixa influenciar pelas virtudes dessas pessoas, ele só vê o mal que elas fazem e os erros que cometeram (como pessoas favoráveis a pena de morte), Jigsaw é “uma síntese”, quase “uma caricatura”, do “lado mais obscuro” de cada ser humano, um “lado” que não faz parte de sua natureza, já que ninguém nasce mau, é algo que não parte do seu ser, que não vem dele, mas que nele se introduz, que surge e dele se apodera, como um vírus… Quantos de nós alguma vez não disse (com outras palavras) que uma determinada pessoa que cometeu um crime realmente abominável é “indigna da vida que possui”? Parece familiar? Esse é um dos aspectos mais horripilantes do filme (franquia), insinuar, sem o menor pudor, que qualquer pessoa, privada de uma boa formação moral (na falta de uma expressão mais adequada), cujos valores estejam deturpados ou que passe por um momento de completo desequilibro possa sim, vir a se tornar um assassino em potencial. Considera isso um absurdo? Julga que eu esteja exagerando? Deixe-me então dizer uma outra coisa… Talvez, o fato de você considerar que determinada pessoa deva ser condenada a morte por ter cometido algum crime hediondo não faça de você um assassino, certo? Bom, Jigsaw também pensa assim! Veja bem, do mesmo modo que você não teria coragem de matar, John também não mata, ele não "puxa o gatilho", mas, lhe incomoda saber que determinado criminoso foi executado? Caso sua resposta tenha sido: “Não!”, informo que John Kramer também não parece se importar caso determinada pessoa não sobreviva a algum de seus “testes” (é isso que ele ensina a Hoffman quando fala sobre o "envolvimento pessoal"). Preparado(a) para o “tapa na cara” dado pelo filme? Sabe qual a maior diferença entre Jigsaw e nós? Ele não existe, nós sim, ele por outro lado, dá uma chance (e cobra um “alto custo”, é verdade, mas ao menos deu uma oportunidade). Que chance demos nós ao dizer coisas como: “Ele merece morrer!” , "Tem de matar mesmo!"  ou “Se fosse comigo, matava logo esse vacilão!”.

      Moral da estória: “Que valor você tem dado a vida de seu semelhante?”, “Não somos todos “filhos de Deus”?”, “A humanidade estaria se tornando insensível e contribuindo para própria extinção?”

      E depois dizem que “Jogos Mortais” é um filme “supérfluo”, que “não traz nenhuma mensagem positiva ou ensino moral”, que tem um enredo “sem lógica”, etc, etc.

      Continuando…

      John torna-se um sociopata (se for este o termo correto), alguém que, ciente do pouco tempo que lhe resta decide dar uma “última chance” a todos aqueles que ele considera “ingratas”, pessoas que segundo ele, já estão “mortas por dentro”, o que fica evidente em seu diálogo com Eric Matthews ao dizer: “I don’t need your help and I can tell you still don’t understand. Those who do not appreciate life, do not deserve life” ("Eu não preciso de sua ajuda, e posso dizer que você ainda não entendeu. Aqueles que não apreciam a vida, não merecem a vida"). Assim, prepara inúmeras armadilhas (“jogos”) que podem forçar suas vítimas a decisão de lutarem pela própria sobrevivência, de modo que para ele, o “sentir-se vivo” após conseguir escapar de uma determinada circunstância, pode induzir aquela pessoa a valorizar sua própria vida (e também de outros), o que no fim, equivaleria a um: “abrir dos olhos!”, segundo sua concepção, já que essa pessoa, antes “cega”, passaria agora, a “enxergar o mundo com outros olhos”. John se torna uma boa pessoa por causa disso? Ao menos seus atos nos dão a entender que não, o que ele faz com as pessoas que decide “testar” é completamente desumano! John está decidido a terminar o “trabalho de sua vida” e prepara um sucessor, pois sabe que o câncer o matará antes que veja a última pessoa ser “testada”, é esse o seu “legado” a ser entregue, dar a esta pessoa a “honra” (!?) de terminar o que ele iniciou, escolhe então Amanda (também responsável pela morte de Gideon, o que se torna, “seu próprio teste”: perdoar, dar uma chance de sobrevivência e confiar seu “trabalho” a pessoa que “ajudou” a matar seu próprio filho. Você perdoaria essa pessoa?), que tem de aprender a ver as coisas como John, ela porém, se assemelha a muitos que não conseguem “dar uma nova oportunidade” quando estão numa situação que lhes seja favorável, temos também, o detetive Hoffman, um policial que vive “aprisionado numa contínua amargura”…

      São estes alguns dos aspectos que nos motivam a continuar assistindo: “Jogos Mortais”, além destes, há muitos outros pontos curiosos que por sua vez, chamam nossa atenção: como por exemplo, a estória de cada personagem que é submetido aos “jogos”, o que Jigsaw espera (ou exige) de cada um deles, a relação mútua entre cada personagem (ou seja, aquilo que liga um personagem a outro e faz da trama algo complexo e interessante), e como todos eles, juntos, nos levam de volta para John Kramer, que cada vez mais, nos parece ter um objetivo diferente daquele que temos presumido até o momento…

“You think it’s over just because I am dead? It’s not over the games have just begun.”

"Ih,ih,ih,ah,ah,ah,ah..."

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Por: Marcio José


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